Num tempo que já é passado e num lugar que não é aqui, “As Carmelitas de Escarpin” trabalhavam juntas e partilhavam o que acontecia em suas vidas. No que se referia ao trabalho, discutiam sobre os conhecimentos filosóficos, psicológicos, sociológicos e não lógicos envolvidos em suas tarefas, sempre com o rigor e a responsabilidade, fruto de árduas leituras e interpretações. Em se tratando de mulheres, as discussões de trabalho geralmente eram entremeadas de temas familiares, amorosos, de receitas, lugares visitados, chegando a política, valores, visões de mundo...

Tentando afastar-se dos melindres e rivalidades, eram vistas por alguns como um grupo isolado, “ensimesmado”. Estavam, no entanto, sempre disponíveis para falar de seus pensamentos e saberes mas sem descer do salto (leia-se conhecimento). Por isto, um crítico e saudoso amigo, as deu o apelido, que hoje faz com que, apesar da distância, queiram continuar a falar e tricotar como “As Carmelitas de Escarpin” .

Como em toda irmandade, cada uma adotou um nome de Carmelita: Irmã Miranda, Irmã Teodora, Irmã Clotilde, Irmã Jurema, Irmã Adelaide e Irmã Aurora. Entretanto, elas não querem ser desrespeitosas com nenhuma religião, crença ou opinião, afinal irmandade significa também, solidariedade, pensar e refletir coletivamente. Isso é só um jeito de deixar a brincadeira mais divertida e de reafirmar os votos de amizade e união.

A irmandade acabou por originar nossa confraria, com encontros mensais de boa comida, bons vinhos e muita conversa, possibilitando que mais amigos se unam ao grupo.

“Juramento da Carmelita”

Eu prometo escrever textos críticos e inteligentes, sobre os mais diversos assuntos, com respeito as opiniões das irmãs e as crenças, opiniões e opções dos possíveis leitores.

Evitarei usar palavras “chulas”, para não descer do salto, mesmo que a vontade de xingar seja grande.

Não tratarei de assuntos pessoais de forma direta e não usarei nomes conhecidos, sendo criativa para me fazer entender.

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Onde está o feminino?


 Dizem que as mulheres, na atualidade, tem muitas opções de ser.  Os movimentos feministas,  entre outras conquistas, trouxeram a possibilidade de que as mulheres tivessem maior participação nos espaços onde o poder é legitimado.  A participação das mulheres no mercado de trabalho criou novas formas de ser mulher, especialmente no cotidiano das cidades.  No entanto, os saberes vinculados aos movimentos feministas geralmente criticam estudos que apontam efeitos negativos para a sociedade desta “saída de casa” das mulheres.  Criticam com razão: afinal, se o espaço da casa tem que ser cuidado, porque é a mulher que tem que fazê-lo, já que é sabido que este destino que lhe foi imposto por muitos anos não tem nada de natural?
Contudo, parece que hoje, tanto mulheres quanto homens, dão pouco peso a estes efeitos negativos e desvalorizam este espaço, a casa.  A casa, este lugar de repouso, onde a vida privada acontecia, ele pode diminuir inclusive de tamanho, já que passamos tão pouco tempo nele.  Somente os ricos, e destes os que ainda conservam aquele valor antigo de `quanto maior a propriedade maior a riqueza´, somente estes ainda desejam casas amplas.  As casas tem valor financeiro mais pelo bairro onde estão do que pelo tamanho.  Se você tem uma casa grande, aparece um logo que diz: ´ah, é porque é no bairro,tal, tá explicado...´.  Os pós-modernos sabem que uma casa grande é um peso, desnecessário, preferindo ter a possibilidade de circular, de se mudar, especialmente se o bairro deixar de ser “ bem freqüentado”.
A casa pequena abriga a família pequena.  Afinal, para que ter espaço para tios, avós, irmãos e primos, se eles não o visitam, pois não tem tempo e não querem incomodar. Para que ter muitos quartos, sala grandes se só é possível ter um filho, e quando se pode ter, depois dos quarenta?  Para que ficar em casa, já que viver é estar no trabalho, na escola e lazer é viajar ou ir ao shopping?
A mulher não deve, não precisa mais ficar em casa.  Ela deve produzir e consumir, mesmos direitos e mesmos deveres.
Há pouco tempo, vi um desenho animado cujo título “Marte precisa de mães”, me fez pedir a minha filha que o víssemos, dizendo a ela: “-Preciso ver este filme porque acho que vou para marte, pois lá precisam de mães”.   Na história, marcianas, não sabendo educar suas filhas meninas, raptavam terráqueas que o soubessem, já que, tendo extirpado os marcianos machos de sua sociedade, mantinham a rigidez e a ordem como valores.  Os machos eram sentimentais, bobões, pouco racionais.  Só que para tirar a sabedoria das terráqueas matavam-nas no processo.  Vi que meu lugar também não era em marte.
Estudei psicologia, carreira em que a mulher pode conciliar carreira e família, quando não deseja ser executiva, o que também é possível para uma psicóloga.  Queria ser uma mulher maravilha, como tantas, mas uma que ainda não fosse pós-moderna o suficiente para entregar meus filhos a uma creche em tempo integral.  Porque não?  Será que nas creches não serão mais independentes e racionalmente cuidados, podendo estar com outras crianças já que não podem ter irmãos ou já que não temos tempo ou oportunidade de criá-los junto aos vizinhos, brincando na rua?  Não foi falta de feminismo, nem de vontade de ter dinheiro, nem de ser algo interessante, importante.  O problema é que eu, além de mãe, queria cuidar das pessoas e não sei por que cargas dágua, no inicio de minha formação, comecei a acreditar que as pessoas que mais precisavam eram as que tinham menos dinheiro.  Dei valor aos saberes que podiam me ajudar a fazer isto, saberes que hoje em dia, assim como as casas, tem pouco valor e trazem pouco dinheiro.  Meu trabalho, no entanto me ajudou a criar minha filha junto a um marciano mais sensato. 
Como uma velha, valorizei coisas que limitaram minhas opções.  Agora que minha filha cresce, o que me resta se não me reinventar e ser mulher 100% trabalho, já que isto é o que o mundo quer de mim? 
Nem homens nem mulheres, agora, podem optar estar fora deste mundo, o mundo do trabalho,  sem ócio, sem casa.  Será que temos realmente muitas opções de ser na atualidade?

 Irmã Teodora, Novembro 2011

4 comentários:

  1. É a pura verdade Irmã!!!!
    Um abraço. ( futura carmelita )

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  2. Querida irmã Teodora,

    compartilho do mesmo sentimento de sua reflexão, principalmente nos últimos tempos...

    Acredito que sempre temos opções e sem precisar ir para Marte.

    Abraços!

    Irmã Jurema

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  3. Cara irmã,
    não sei se tenho alcance suficiente para entender sua angústia mas, de fato, "o mundo do trabalho, sem ócio, sem casa" se impõe em nossa sociedade e reduz bastante o leque de opções sobre "como viver".
    O que me inquieta em sua visão é a forma como, a partir desse contexto, todos os valores que você preza se tornam menores. Ser uma voz dissonante nunca é fácil, mas se você aceita a diminuição desses valores então esse “mundo sem casa” venceu.
    Todos temos que nos adaptar, o que não quer dizer que tenhamos que apelar para velhas soluções, repetir padrões que um dia foram satisfatórios. Não se engane, o feminino é a sensibilidade da qual não podemos abrir mão (terráqueos ou marcianos). Ele prepondera em uma série de situações: Ter uma casa grande ou pequena não é o problema, mas o que você faz com ela é importante. Se as pessoas não vêm a sua casa, chame-as... insista... e quando vierem recebe com todo carinho. Torne a sua casa grande não no sentido físico, mas no sentido feminino e tudo que ele representa.
    Continue dando valor aos saberes que lhe ajudaram a criar sua filha. Hoje eles são tão raros (e difíceis) que as pessoas preferem bichos de estimação a crianças. Sei que é difícil se “encaixar”; também não podemos evitar o mundo a nossa volta, mas a convicção no que somos é a melhor maneira de nos tornarmos valiosos e únicos.
    Por fim não deixe que as inquietações diminuam seus valores, são eles que nos tornam fortes, são o norte que nos orienta em nossas decisões (certas e erradas).
    Como disse a irmã Jurema, sempre temos opções, sempre.
    Viva o feminino, sem ele o que seria de nós marcianos.......

    Atenciosamente,

    Marciano

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  4. É por isso que te amo!Você me surpreende!
    Obrigado pelo lindo comentário. Espero que nossa casa, que esteve por uns dias como "um escuro deserto", possa voltar a ser "cheia de sol" como sempre...
    Irmãs, perdoem, mas tive que dividir com vocês esta alegria já que dividi as inquietações de outro dia...
    Irmã Theodora

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